Em alguns
textos anteriores mencionei a desconsideração e maneira
subestimada de avaliar as riquezas que os recursos naturais proporcionam
à humanidade. Quanto vale um serviço que o ecossistema oferece
e realiza? Quanto vale, por exemplo, a produção de oxigênio
e a conseqüente possibilidade de existir vida aeróbia na terra?
Trazendo mais para o nosso tempo e para a nossa realidade, quanto vale
a água potável original de uma nascente? E quanto vale o
remanescente florestal que garante a existência e proteção
desta nascente? Como computar os prejuízos provenientes das perdas
destes recursos naturais?
Este
é um questionamento muito importante, pois esta tentativa
de se estimar quanto vale economicamente produtos e serviços
da biodiversidade natural, e os conseqüentes prejuízos
com sua destruição, é um primeiro passo na
direção de se defender a proteção de
trais recursos utilizando argumentos econômicos, que são
mais facilmente compreendidos pelas pessoas, de uma maneira geral.
As vantagens econômicas de um país por causa de sua
riqueza de recursos naturais devem ser ressaltadas e quantificadas,
por mais difícil que pareça ser nas primeiras aproximações.
E os danos e prejuízos também devem ser quantificados.
Quando os custos da degradação ecológica não
são pagos por aqueles que a geram, estes custos são
externalidades para o sistema econômico. Ou seja, custos que
afetam terceiros sem a devida compensação. As atividades
econômicas são assim planejadas sem levar em conta
essas externalidades ambientais e, conseqüentemente, os padrões
de consumo das pessoas são forjados sem nenhuma internalização
dos custos ambientais. O resultado é um padrão de
apropriação do capital natural onde os benefícios
são providos para alguns usuários de recursos ambientais
sem que estes compensem os custos incorridos por usuários
excluídos. Além disso, as gerações futuras
serão deixadas com um estoque de capital natural resultante
das decisões das gerações atuais, arcando os
custos que estas decisões podem implicar. |
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Trazendo
para escalas maiores, para que os verdadeiros ganhos e crescimentos (lucros)
de um país sejam calculados, as riquezas ambientais e perdas por
poluição ou exploração, por exemplo, devem
ser computadas no balanço final do cálculo do PIB, ou qualquer
outro parâmetro econômico relacionado. Este raciocínio
também deve ser levado ao nível mundial: porque países
com tal riqueza natural nada ganham por isto e ainda por cima arcam com
prejuízos oriundos de poluições de outros países?
O protocolo de Kioto e os créditos de carbono vieram para tentar
equalizar um pouco esta questão.
Os estudos
ambientais desenvolvidos para dar entrada em processos de licenciamentos
de construção de empreendimentos (licenciamento ambiental)
são freqüentemente criticados por serem baseados, principalmente,
em avaliações biológicas rápidas. Essas
avaliações não parecem ser muito seguras para determinar
os impactos decorrentes de tal empreendimento, principalmente sob o
ponto de vista científico. Mas porque se devem realizar estudos
rápidos e superficiais? Por causa dos restritos tempo e dinheiro
disponibilizados para tal. Mas porque são tão restritos?
Por que o ambiente não tem o devido peso no pacote de todos os
estudos necessários para se construir um empreendimento. E porque
ele não tem um peso maior?
Porque
pouco se conhece a respeito do valor econômico-monetário
dos recursos ambientais, o que impossibilita argumentos em defesa de
estudos mais completos - e caros. Entretanto é importante refletir
até que ponto se deve aumentar a abrangência e complexidade
de tais estudos tendo em vista o objetivo deles.
Em atenção à crescente necessidade de definir valores
econômicos nos recursos e serviços ambientais, muitos estudos
têm sido realizados e algumas metodologias têm sido propostas
e desenvolvidas. Basicamente, existem dois tipos de valor associados
aos bens ambientais: valor de uso e de não-uso. Há os
valores de uso direto, indireto e de opção. Veja a descrição
e exemplificação no quadro a seguir:
Valor
de Uso |
Valor
de Não-Uso |
Valor
de Uso Direto |
Valor
de Uso Indireto |
Valor
de Opção |
Valor
de Existência |
Bens
e serviços ambientais apropriados diretamente da exploração
do recurso e consumidos hoje.
Ex.: provisão de alimentos (nutrientes), medicamentos,
não-madeireiros, turismo, recursos genéticos.
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Bens
e serviços ambientais que são gerados de funções
ecossistêmicas e apropriados e consumidos indiretamente hoje.
Ex.: proteção dos corpos d'água, estocagem
e reciclagem de lixo, manutenção da diversidade genética,
controle de erosão, provisão de recursos básicos.
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Bens
e serviços ambientais de usos diretos e indiretos a serem
apropriados e consumidos no futuro. Ex.: preservação
de valores de uso direto e indireto.
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Valor
não associado ao uso atual ou futuro e que reflete questões
morais, culturais, éticas ou altruísticas.
Ex.: florestas como objetos de valor intrínseco, como uma
doação, um presente para outros, uma responsabilidade.
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Alguns
métodos econômicos específicos têm sido utilizados
para se tentar quantificar quanto vale cada um destes tipos de uso,
inclusive o valor de existência. Normalmente são métodos
baseados nas idéias de custo-benefício e similares.
Não
é nada confortável para um biólogo determinar um
valor monetário a um bem natural. Ainda mais tendo conhecimento
da complexidade da vida, nos seus diferentes níveis, da sua interação
com o meio ambiente e das funções que desempenham no ecossistema.
Difícil não ser uma sub-estimativa. Mas a demanda por
essas estimativas é crescente e elas podem facilitar bastante
a gestão ambiental. Neste último caso, é importante
atentar para dois pontos: as provisões orçamentárias
costumam ser sempre aquém do custoso gerenciamento e as políticas
econômicas costumam ser indutoras de perdas ambientais. Portanto,
determinar esses valores, mesmo subestimados, é um primeiro passo
fundamental para impedir a sua total negligência em tais gerenciamentos
e políticas.
Leitura
Sugerida:
Costanza, R., et. al. 1997. The value of the world’s ecosystem
services and natural capital. Nature 387: 253-260.
Coutinho, P. 2002. ‘O Valor da Biodiversidade’
e ‘Biodiver$idade’.
www.comciencia.com.br
www.mma.gov.br/port/sbf/chm/publica/mvalora/sumario.html
Branca
M. O. Medina - branca@biologo.com.br
Bióloga licenciada e bacharel em ecologia pela
UFRJ e mestre em ecologia, conservação e manejo da vida
silvestre pela UFMG.
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