.Planeta Oceano Agenor Cunha da Silva

A IMENSIDÃO DO MAR

Na seqüência das idéias que venho colocando em meus artigos, jamais considerei a possibilidade de passar a elaborá-los a partir de um navio em alto mar. As possibilidades disto acontecer, até poucos dias atras eram bem remotas. Agora, a bordo do Navio-Escola Brasil, agrego-me ao pensamento náutico e me invisto da curiosidade que acerca a todos aqueles que passam a integrar e participar das tradições e conceitos preservados ao longo da história dos navegantes. No momento em que estamos prestes a singrar o Atlântico em direção ao hemisfério setentrional, certamente a evolução dos acontecimentos nos irá reservar boas surpresas.

Como estudioso dos oceanos, penso que a viagem de navio nos aproxima do mar muito mais do que quando tentamos compreendê-los pautados apenas em teorias.
É quase uma recompensa, ou uma boa oportunidade de tentar compreender o oceano.

Navegar longe do continente, na imensidão do mar, não apenas nos leva a refletir e reavaliar nossos conceitos como permite reavaliar também o nosso modo de viver. Ressaltam-se as duvidas e as certezas das coisas que vivenciamos ao longo do tempo. A cada amanhecer nossas esperanças são renovadas. Ao longo dos dias novas experiências e situações se apresentam. Ao anoitecer, quando extasiados pela beleza podemos admirar o céu como se fosse um tapete celeste com bilhões e bilhões de estrelas, percebemos que a imensidão não se restringe tão somente aos oceanos.
Na realidade, céu, mar e terra são sistemas que se complementam. Numa visão gnóstica a imensidão de cada um nos mostra a grandeza do Criador. Como cientistas sabemos que a busca do conhecimento é nossa única opção. Ao melhorar nossa capacidade de percepção certamente estaremos contribuindo para o entendimento dos processos, das relações entre os sistemas e da própria vida.

Quando ao inicio dos semestres em minhas aulas na Santa Úrsula geralmente tenho solicitado aos alunos que tentem desenvolver ou esquematizar projetos ambientais dentro de uma visão geosistêmica, o que na realidade almejo é que tentar passar um pouco das experiências ou vivências que adquiri ao longo do tempo. Dentro de um conceito prospectivo, a tentativa de desenvolver ou propor projetos na busca de equacionar os problemas das áreas costeiras, ainda que virtualmente, constitui um desafio que os alunos procuram superar. Na realidade, o que estou tentando é não apenas colocá-los em condições de solucionar de forma correta os problemas ambientais do cotidiano. Muitos deles, de maneira brilhante, conseguem descrever com sucesso os processos poluidores, desde sua origem até definir as ações que efetivamente são levadas a cabo para resolver tais problemas. Neste contexto, os objetivos didáticos são alcançados. Todavia, a possibilidade de levar os alunos a propor de forma lógica as ações que devem ser adotadas para a solução dos problemas ambientais nas zonas costeiras constitui no meu entender não apenas um desafio, mas também motivo de júbilo e de particular de regozijo. A possibilidade de que ao término do semestre os alunos passem a ter plena consciência das suas possibilidades como Biólogos é para mim motivo da mais alta satisfação.

A relação entre os sistemas ambientais não deve ser medida apenas em função dos níveis de interatividade que friamente as ferramentas das ciências exatas tentam definir. Seu caráter global transcende aos nossos modelos. Assim, mesmo sabendo da importância que tais ferramentas possuem, ao utilizá-las para equacionar um problema certamente devemos considerar a necessidade de evidenciar que tais interações passam por ligações muito mais abrangentes. É importante perceber que não devemos estabelecer ou propor soluções pautadas apenas nas repostas ou no comportamento dos parâmetros físicos. A presença do homem e dos organismos como parte integrante dos sistemas configura uma situação bem semelhante àquela que percebemos quando estamos longe da costa, ou mesmo numa praia ou local mais deserto. Os sistemas se complementam. O efeito cascata, borboleta ou como queiramos denominá-lo ressalta. Os eventos são integrados. A existência de um deles certamente implica na presença do seu contraposto. Verificamos isto nos sistemas, nas ciências, nas pessoas e em praticamente todas as coisas. É importante termos consciência de que na imensidão do mar o ambientes marinho é apenas parte de um grande sistema, onde cada um pode ser considerado como um organismo vivo. Nesta perspectiva os ambientes podem repelir ou aceitar nossas agressões. Estão sempre a buscar o melhor ajuste para manter as formas e as paisagens, seja no céu, na terra ou no mar. Neste contexto, me permito a transcrever um pequeno texto didático denominado "A TEORIA DO EQUILÍBRIO DINÂMICO". Trata-se de um texto que adoto em minhas aulas, pelo qual procuro mostrar como tais ajustes ocorrem e como devem ser compreendidos no contexto ambiental.

A TEORIA DO EQUILÍBRIO DINÂMICO

A teoria do EQUILÍBRIO DINÂMICO considera o modelado terrestre como um sistema aberto, isto é, um sistema que mantém constante permuta de matéria e energia com os demais sistemas componentes de seu universo. A fim de que possam permanecer em funcionamento, necessitam de ininterrupta suplementação de energia e matéria, assim como funcionam através de constante remoção de tais fornecimentos. Grove Karl Gilbert (1880) foi o primeiro a expor uma concepção teórica do desenvolvimento das paisagens terrestres em termos de EQUILÍBRIO DINÂMICO e na ultima década, John T. f!ack (1957, 1960, 1965) utilizou-a a fim de interpretar a topografia do vale do Shenandoah, na região apalacheana, levando em consideração as características das redes de drenagem e das vertentes.

Aplicando a concepção do EQUILÍBRIO DINÂMICO as relações espaciais nos sistemas de drenagem, Hack ampliou consideravelmente as idéias propostas por Gilbert e ofereceu nova abordagem a interpretação da paisagem. Essa teoria supõe que em um sistema erosivo todos os elementos da topografia estão mutuamente ajustados de modo que se modificam na mesma proporção. As formas e os processos encontram-se em estado de estabilidade e podem ser considerados como independentes do tempo. Ela requer um comportamento balanceado entre forças opostas, de maneira que as influencias sejam proporcionalmente iguais e que os efeitos contrários se cancelem a fim de produzir o estado de estabilidade, no qual a energia esta continuamente entrando e saindo do sistema. O estado de estabilidade representa o funcionamento do sistema no momento em que todas as variáveis estão ajustadas em função da quantidade e variabilidade intrínseca da energia que lhe é fornecida. Assim, se houver alteração no fornecimento de energia (por exemplo, oscilação climática), o sistema reagira a tais modificações e se desenvolvera até alcançar nova estruturação, no estado de estabilidade.

A palavra equilíbrio possui significado diverso. A noção de equilíbrio foi usada pela teoria davisiana, na suposição de que ele se estendia paulatinamente do nível de base em direção de montante, conforme o decorrer do ciclo. Essa idéia implicava que enquanto algumas partes da bacia hidrográfica já haviam atingido o equilíbrio, outras ainda não o haviam conseguido. A teoria do EQUILÍBRIO DINÂMICO considera o equilíbrio de uma paisagem como resultante do comportamento balanceado entre os processos morfogeneticos e a resistência das rochas, e também leva em consideração as influências diastróficas atuantes na região. O ajustamento entre tais forças é simultânea entre as várias partes da mesma bacia de drenagem onde as rochas forem mais resistentes (quartizitos, por exemplo), as declividade das vertentes serão relativamente mais acentuadas que as verificadas em rochas de menor resistência (folhelhos e xistos, por exemplo). Qualquer que sejam as condições de energia, a composição litológica influencia como agente diferenciador na topografia. O equilibro é alcançado quando as várias partes de uma paisagem, pertencentes ao mesmo sistema, apresentarem a mesma intensidade media de erosão, tanto nas rochas resistentes quanto nas frágeis. Quando as formas se encontrarem perfeitamente ajustadas no estado de estabilidade, haverá variação topográfica em virtude do entrosamento entre os fatores atuantes. Como as formas estabilizadas se mantém, independentemente do tempo, o mesmo acontecera' com a variabilidade morfológica. Nessa perspectiva, a paisagem não evolui necessariamente para o aplainamento geral, pois o equilíbrio pode ocorrer sob os mais variados "panoramas topográficos".

A teoria do EQUILÍBRIO DINÂMICO está relacionada ao tratamento do modelado terrestre dentro da perspectiva analítica dos sistemas abertos. A exposição das varias propriedades inerentes aos sistemas abertos auxilia a melhor compreensão do EQUILÍBRIO DINÂMICO. Richard J. Chorley (1962) lembra-nos as propriedades que aqui seguem:
sistema aberto pode atingir o EQUILÍBRIO DINÂMICO, no qual a importação e a exportação de energia e matéria são equacionadas por meio de um ajustamento das formas, ou geometria, do próprio sistema. Assim, o gradiente dos canais fluviais é ajustado a quantidade de água e carga e a resistência do leito, de tal modo que o trabalho seja igual em todas as partes do curso. Esse ajustamento é conseguido devido a capacidade de auto-regulação, e como há interdependência entre os elementos de todo o sistema, qualquer alteração que se processa em um segmento fluvial será paulatinamente comunicada a todos os demais elementos fluviais. E como um membro do sistema pode influir em todos os outros, cada um dos membros pode ser influenciado por qualquer outro. Alguns autores consideram que o equilíbrio não é alcançado de modo global em um sistema que está sofrendo contínuas alterações, como é o caso da degradação das paisagens. A designação de quase-equilíbrio foi proposta para expressar essa situação (Langbein e Leopold, 1964). Por outro lado, Abrahams (1968) distingue entre EQUILÍBRIO DINÂMICO e estado de estabilidade, observando que esse último corresponde a um subconjunto do primeiro.

O EQUILÍBRIO DINÂMICO demonstra que os aspectos das formas não são estáticos e imutáveis, mas que são mantidos pelo fluxo de matéria e de energia que atravessam o sistema. Com o passar do tempo, a massa da paisagem estará sendo removida e implicando em a1terações progressivas em algumas propriedades geométricas, como no de acréscimo do relevo médio, desde que não haja nenhuma compensação tectônica. Todavia, é errôneo acreditar que todas as demais propriedades necessitam responder de maneira simples a esta alteração progressiva, seqüencial. A existência do principio do tamanho ótimo e a da lei do crescimento alométrico para os componentes individuais, ou subsistemas, implicam que se a energia disponível dentro do sistema for suficiente para impor o tamanho ótimo naquele sistema, esse tamanho será mantido através de longo período de tempo e não estará sempre susceptível às mudanças sucessivas e seqüenciais. Geralmente verifica-se que a alteração em uma das variáveis externas (os fatores que controlam o fluxo de massa e energia para o sistema) causa maior ou menor reajustamento de todos os componentes do sistema. Entretanto, pode ocorrer que modificações sensíveis nos fatores controlantes sejam absorvidas pela própria estruturação do sistema, desde que essas oscilações não ultrapassem os limites que interfiram no equilíbrio interno do sistema. A densidade hidrográfica e a estruturação das redes de drenagem podem permanecer as mesmas através de oscilações paleoclimáticas, como na sucessão de fases secas e úmidas das áreas intertropicais.

Quando o sistema atinge o EQUILÍBRIO DINÂMICO, desaparece a influência das condições iniciais e muitos traços das paisagens anteriores foram destruídos. Quando se analisam fenômenos com acentuada tendência para o EQUILÍBRIO DINÂMICO, o tratamento histórico torna-se hipotético e inútil. Por exemplo, o soerguimento pode continuar indefinidamente e se o entalhamento e a denudação acompanharem o mesmo ritmo, a paisagem não sofrerá modificações. Essa perspectiva é independente da escala temporal, e as formas relíquias, formadas sob condições passadas diferentes, são preservadas somente se o EQUILÍBRIO DINÂMICO ainda não foi atingido. Essa consideração não significa que as formas relíquias sejam raras na superfície terrestre, mas o critério de análise incide sobre a harmonia e o equilíbrio entre os processos atuais e as formações rochosas. Também se deve considerar que nem todos os elementos componentes dos sistemas geomorfológicos reagem com a mesma rapidez e intensidade às modificações realizadas nas variáveis externas. A geometria hidráulica dos canais fluviais responde prontamente às mudanças das precipitações, mas a rede de drenagem e as formas topográficas têm inércia muito maior.

A última característica assinala que os sistemas abertos são capazes de atingir a eqüalização, isto é, condições iniciais diferentes podem conduzir a resultados finais semelhantes. Esse conceito acentua a natureza multivariada da maioria dos processos morfogeneticos e é contraio ao tratamento unidirecional da abordagem evolutiva cíclica.

(Ref. - Christofoletti, A. "Geomorfologia", São Paulo, Edgard Blücher, 2.ª ed., 1980)

MSC. Agenor Cunha da Silva - agenor@biologo.com.br
USU/ICBA - RJ

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