bocadomangue Mario Moscatelli

dente por dente, olho por olho

Ao navegar pela lagoa da Tijuca vendo todo o estrago causado pela completa falta de amor e visão estratégica que o administrador público tem por aquele que eu considero um dos maiores patrimônios ambientais, históricos e sócio-econômicos da cidade do Rio de Janeiro, eu paro e me pergunto: O que deve se passar na cabeça de um cidadão ou de uma cidadã que tem o poder democraticamente cedido a ele (a) para decidir e mudar a história de degradação e iniciar uma outra completamente diferente. Uma história de recuperação, conservação e de parceria com a aquilo que teimamos em destruir.

Quando de noite olho para o profundo do céu, me dá um frio na barriga em resposta à imensidão muda que nos envolve. Vem-me à cabeça que navegamos num espaço frio sobre um pedaço de rocha, onde num estreito espaço físico tem sido proliferada a vida das mais diferentes formas, onde em virtude de um encontro catastrófico de nosso planeta com outro pedaço de rocha, desapareceram inúmeras espécies e progressivamente foram surgindo outras, dentre as quais a nossa.

Neste contexto bucólico de observador noturno e inalador do mau cheiro de ovo podre que vem das lagoas, fui chamado deliberadamente por um alto burocrata ambiental de agressivo e polêmico. Aí desabei de minha euforia intergalática dentro do mal cheiro que me envolvia.

Espera aí cara pálida! PORRA, quando a empresa joga esgoto sem tratamento no rio é porrada nela, com multa, jornal, etc., etc., pelo menos lá na teoria. Muito bem, agora quando é o Estado que joga MERDA para todos os lados em todas as lagoas e cobrando por esse "belo" serviço, eu tenho fazer de conta que a MERDA está vindo do céu?

Achar que está tudo ótimo e continuar aceitando a história que a culpada foi à outra administração, onde eu acabo de concluir que a culpa mesmo foi do Mem de Sá! Aí eu não preciso de administrador público, o que eu preciso é de fazer um centro de mesa e meter porrada no tal de Sá!

A situação é gravíssima na saúde, na educação, na segurança e no meio ambiente. Experimente dar uma voltinha de helicóptero sobre o canal da Joatinga na baixa-mar após a ressaca. É cheiro de podre que se sente até TREZENTOS E TRINTA METROS DE ALTURA!


A pergunta que não quer se calar aos biólogos de plantão é: Qual é a política de meio ambiente da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de nosso governo estadual a respeito dos recursos hídricos e ecossistemas associados ? Será que é de continuar jogando ou deixando jogar MERDA nos rios, lagoas, manguezais, baías e praias? Por que esse filme eu continuo vendo forçado nas praias de Copacabana, Ipanema e Leblon pelo canal do Jardim de Alah, São Conrado e Barra, nas lagoas e na baía de Guanabara, Sepetiba e Ilha Grande sob as mais variadas bandeiras partidárias.

Não tem dinheiro? Não tem problema! Se já apanhou dinheiro emprestado para pagar dívidas com os salários atrasados, então repasse para terceiro o dever de fazer/modernizar o sistema de tratamento de esgoto, o direito de cobrar pelos serviços e fature à vontade politicamente, mostrando maturidade política e bom senso quanto a manutenção e melhoria da qualidade ambiental e da qualidade de vida dos contribuintes da cidade do Rio de Janeiro. Se houver algum impedimento legal para repassar para terceiro, repasse para a prefeitura, que anda com dinheiro saindo pelas janelas!

O que não pode é continuar com esse jogo de eu finjo que administro e eu pago por serviço que não recebo. A-CA-BOU o tempo e pelo menos a minha paciência!

Neste contexto eu consideraria importantíssima a atuação do poder judiciário, que de forma objetiva poderia obrigar o Estado a fazer o saneamento ou deixar que alguém o faça em virtude de algum tipo de impedimento do primeiro dentro do contexto de devastação ambiental que ocorre na baixada de Jacarepaguá.

Deve-se deixar claro que a natureza só pede no mínimo, que parem de estressá-la. Exemplo típico disso é a ausência de mortandade de peixes este ano na Lagoa. Qual o motivo? Tirando todos os demais tensores naturais que continuaram presentes este ano, o lançamento de esgoto foi reduzido muito provavelmente em conseqüência das poucas obras que foram feitas ao redor da Lagoa. Saliento que as poucas intervenções já deram para pelo menos evitar mais uma nova mortandade, mas que não suficientes!

Prezado administrador(a) estadual , o que precisa ficar claro que apesar de não concordar com a maioria das coisas que você faz ou fala, eu por incrível que pareça torço por você! Torço por um único motivo, sua desgraça administrativa representa a piora de minha qualidade de vida nos próximos anos! Independente da sigla partidária, do time e da escola de samba que você torce, o que eu quero é que o administrador da vez tenha sucesso, pois parte da minha qualidade de vida dependerá disso. Creio que todos os que têm um mínimo de inteligência e juízo pensam assim, porém deve-se deixar claro que torcer pelo acerto não quer dizer conivência com ausência de ação do poder público em áreas nas quais o saldo devedor político já ultrapassou a paciência de qualquer FMI ambiental e do dono de noss0a rocha. Chega de intenções e da infinita busca de culpados nas administrações anteriores, o que se exige pelo dinheiro que se paga, são resultados práticos através de praias, rios e lagoas limpas.

Agora que está explicitada a minha posição política suprapartidária (detalhe: odeio este negócio de política partidária, pois sempre carrega o ranço da conivência), espero que de alguma forma eu possa ajudar a melhorar esse CAOS ambiental que teimamos em cultuar e espalhar, seja por omissão ou ação.

Falando em CAOS, hoje (07/05/03), o canal da Avenida Lineu de Paula Machado era um verdadeiro rio de MERDA, escoando placidamente para o canal da Avenida General Garzon e deste, bucolicamente para as águas da Lagoa. Pois é, não morreu peixe este ano e as obras na Lagoa parecem ter parado completamente, ficando as seguintes perguntas: A quantas anda o termo de ajustamento de conduta assinado entre a CEDAE e o Ministério Público Estadual? Ele está sendo cumprido respeitando os cronogramas?

Pois é, enquanto eu escrevo e você lê, nossa querida cidade está em chamas! Como deixamos as coisas chegarem até este ponto? Como deixamos a barbárie chegar à lei do olho por olho, dente por dente? Simplesmente como nas lagoas e nas praias estamos colhendo o que plantamos, deixamos a serpente nascer, apesar dela ter dado todos os sinais de seu crescimento dentro de seu ovo.

Não sei bem como terminar essas linhas, estou um tanto perdido...

MARIO MOSCATELLI - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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