bocadomangue Mario Moscatelli

Um pesadelo?

Nesta madrugada tive um pesadelo. Um pesadelo que me deixou de boca seca e coração encharcado em agonia. Despertei todo suado e percebendo apenas após alguns instantes a qual realidade eu realmente pertencia e que tudo era apenas um sonho ruim, aproveitei para relembrá-lo.

Ele era mais ou menos assim... Eu morava num lugar de beleza singular, um lugar de praias, lagoas, baías e rios de águas límpidas. Esse lugar era torneado por florestas seja nos morros, nas baixadas, nas praias, enfim por todo lugar que meus olhos pudessem alcançar, parecia que eu estava num verdadeiro paraíso. Reflexo de toda essa excepcional qualidade ambiental, as pessoas com as quais eu encontrava pelas ruas, exibiam em suas expressões uma alegria indescritível, uma leveza daquelas que a gente só acredita vendo, que dá prazer e principalmente paz de se ver.

Mas de repente, caminhando pela praia, esbarrei numa pet trazida pela maré. Após essa, milhares de outras pets começaram a chegar, num verdadeiro mar de pets que impermeabilizaram o mar. Toda aquela alegria foi se esvaindo, as cores foram perdendo suas tonalidades e os sorrisos desaparecendo. No lugar deles, por todo o canto que eu caminhava só encontrava desolação e toda gente assistindo televisão presa em camisas de força, com o olhar fixo, em estado catatônico, ouvindo promessas e mais promessas que tudo iria melhorar e que as coisas ruins que estavam assolando aquele paraíso nada mais eram do que conseqüências dos antecessores que pouco entendiam de administrar o paraíso.

Enquanto esses homens e mulheres falavam por meio dos televisores espalhados por toda a cidade para multidões de surdos e mudos que vagavam encarcerados dentro de ônibus, eu corria em direção ao mar e nada encontrava senão lixo e esgoto misturados com fotografias daqueles que falavam pelas tevês e rádios, cada vez mais alto de forma quase que ensurdecedora, repetindo que tudo, sempre iria melhorar, pois eles e elas estavam lá para resolver o que os outros não haviam resolvido. Enquanto isso, eu já do alto do morro, via a água transformada em esgoto e em depósito de metais pesados e as florestas transformadas em depósitos gigantescos de lixo e tudo isso progressivamente sendo engolido por gigantescas nuvens de fumaça. A única coisa que não mudava era o olhar catatônico dos sobreviventes encarcerados, surdos e mudos, impotentes diante do caos e o discurso que não parava de repetir as mesmas coisas indefinidamente por parte daqueles que haviam tomado conta da administração do que tinha sido o paraíso.

Foi quando encontrei os olhos de minha filha me fitando, pedindo água


Pensei, que bom que nada disso que eu sonhei tem relação com minha realidade.........
Foi quando acordei mais uma vez e não encontrei mais ninguém esperando por água e apenas a tevê ligada informando que a discussão de ordem burocrática e política pouco tem adiantado na resolução dos problemas ambientais de nosso estado.......

Fiquei esperando mais um pouco para ver se eu iria acordar de novo, mas parece que dessa vez, essa era realmente minha realidade.

Sobrou uma lição dessa madrugada: Moçada vamos acordar de nosso berço esplêndido, pois a vaca já está no brejo, agora só falta afundar.

MARIO MOSCATELLI - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br

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