Enquanto
as nuvens da semana passada, nesta verdadeira roleta russa ambiental,
escolheram a baixada Fluminense para reverter suas águas, outras
baixadas e favelas ficam na bola da vez, esperando que as nuvens escolham
a baixada do vizinho para mostrarem a cada verão a incompetência
técnica e a falta de compromisso com a vida humana de nossas
auturidades ambientais.
Neste contexto apresento aos leitores um novo texto escrito para a revista
da câmara de comércio Brasil - Estado Unidos, que vem bem
a calhar nessa bagunça que se tornou o gerenciamento do meio
ambiente no Estado do Rio de Janeiro.
Não
existem muitas dúvidas que em resposta a uma lenta e progressiva
conscientização por parte de parte de nossa sociedade,
inúmeros dispositivos legais vêm sendo criados e alguns
outros tantos aprimorados, conforme a dinâmica que envolve
os problemas de ordem ambiental.
Sua
aplicabilidade, no entanto, continua sendo um problema sem solução,
por um lado diante da ação das políticas e da
burocracia de vários órgãos públicos,
muitas vezes de natureza kafkaniana, onde se ficar o bicho pega, se
correr o bicho
come, e por outro pela falta de aplicabilidade no campo da realidade
de alguns dispositivos legais diante da complexa realidade ambiental.
Por outro lado, a romântica visão preservacionista, presente
em textos técnicos do passado, em alguns textos legais do presente
e no discurso inflamado de alguns ambientalistas, que muitas vezes apenas
reclamam e tumultuam, sem indicar caminhos factíveis para a resolução
dos problemas emergenciais, mais uma vez não tem mostrado na
prática o resultado esperado, isto é, proteção
dos recursos naturais da forma abrangente como nós gostaríamos.
Um
dos motivos para essa frustração de resultados
práticos se deve a falta de políticas ambientais
claras com começo, meio e fim, e menos orientadas por
interesses político-partidários, corporativistas
e clientelistas desse ou daquele grupo momentaneamente no poder.
Há muito tempo, as questões ambientais, são
o verdadeiro samba do crioulo doido, onde associado à falta
de um conjunto de diretrizes claras, soma-se o sucateamento
das instituições teoricamente responsáveis
pela materialização das diretrizes que também
não existem, como já mencionado. Deixo claro
que o tal sucateamento institucional varia desde a falta de
infra-estrutura operacional como a marginalização
moral e salarial da matéria prima dessas instituições,
seu corpo técnico.
Mas
isso vem de longe, visto que dentro de uma ótica onde questões
ambientais são um empecilho para os chamados desenvolvimentistas míopes
e assistencialistas defensores do lema "Só Jesus Salva", o sucateamento
das estruturas que representam a política e a proteção dos
recursos naturais, mostra-se uma prioridade em seus inconfessáveis objetivos
particulares imediatistas. Tal atitude acaba gerando monstros ambientalmente
inúteis e poços sem fundo com os recursos públicos perdidos
tal como vem se materializando há anos, no Programa de "Despoluição" da
Baía de Guanabara. |
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Analisemos sucintamente a situação de algumas unidades
de conservação presentes na região da Baía
da Ilha Grande, que são o reflexo do casuísmo político
no ato de suas criações. Em estudo dentro do Programa
Nacional do Meio Ambiente com apoio do Banco Mundial, desenvolvido em
1997, visando à criação de um "Programa de
Gestão para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Contribuinte
à Baía da Ilha Grande", das cinco unidades de conservação
locais analisadas, totalizando aproximadamente 160.000 hectares de áreas
teoricamente protegidas, nenhuma delas contava até então,
com plano diretor, sendo sua implantação no "mundo
real", classificada pelo estudo como incipiente. Provavelmente
o quadro deve ter mudado muito pouco. Alie-se a isso a verdadeira loucura
de superposições legais que mais uma vez na prática
não geram os resultados esperados, onde no mundo da teoria do
não poder fazer nada intimamente associado com a falta de infra-estrutura
fiscalizatória e planos de gerenciamento, impera no mundo real
o poder fazer tudo e de qualquer jeito.
Exemplo clássico dessa situação eu presencio diariamente
nos manguezais da Baía de Guanabara, onde pelos inúmeros
dispositivos legais em vigor, o mesmo é intocável e inviolável,
uma verdadeira virgem. No entanto seja pelo aporte de lixo, de resíduos
químicos, esgoto, sedimento ou pelo seu direto aterro visando
à instalação de lixões e favelas, os mesmos
diariamente são aniquilados, sem que saíamos de nossas
confortáveis retóricas preservacionistas, apresentadas
em ambientes refrigerados e bem comportados, completamente diferentes
do caos que impera não só nos manguezais como em nossas
lagunas, transformadas criminosamente pela ação e omissão
do poder público, em depósitos de lixo, esgoto e metais
pesados.
Mas enfim, isso não é novidade para ninguém, pelo
menos nos últimos quatrocentos anos onde tem imperado na prática
da cultura brasileira a filosofia exploratória do pau-brasil,
de usar até acabar.
No entanto, quero indicar um caminho possível para revertermos
esse caos. Para mim é muito claro que a sociedade não
pode mais depender da vontade momentânea desse ou daquele governante
ter sido um aluno ao menos interessado em assuntos de meio ambiente.
Precisamos no atual estágio de colapso de inúmeros recursos
naturais estratégicos, tal como a água, de uma forma gerencial
inexistente nas estruturas públicas na medida que a situação
exige para a resolução de nosso caos ambiental.
Neste contexto, lanço a idéia da transferência administrativa
das unidades de conservação bem como de recursos naturais
teoricamente protegidos, para a gestão da iniciativa privada.
Esta gestão terceirizada seria por um determinado número
de anos, a ser definido caso a caso pelo poder público concedente
e fiscalizador de fato, nessa nova divisão de tarefas. O poder
público por sua vez transferiria o ônus do gerenciamento
sustentável dessas áreas para os interessados no uso dos
recursos dentro de parâmetros mais conservacionistas na prática
do que preservacionistas só na teoria.
Enquanto não agregarmos valor aos ecossistemas ambientalmente
vulneráveis por meio de atividades que não os degradem,
desenvolvendo atividades econômicas que transformem as unidades
de conservação e demais ecossistemas protegidos em ativos
e não em eternos passivos, continuaremos nos lamentando de nossa
incapacidade gerencial dos recursos naturais em claro processo de colapso
numa sociedade cheia de demandas não preenchidas pelo poder público.
Agora é a hora de mostrarmos que aprendemos alguma coisa com
quatrocentos anos de degradação. Amanhã, já
será tarde demais.
MARIO
MOSCATELLI - Biólogo - moscatelli@biologo.com.br
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